1. Título Completo:
Didaché tou Kuríou dià ton dódeka apostólon tois éthnesin
(Ensino (instrução, doutrina) do Senhor aos gentios através dos doze apóstolos)
Abreviado: O ensino dos (doze) apóstolos ou "A didaquê".
2. Importância:
"Um dos documentos mais fascinantes e ao mesmo tempo mais intrigantes a
emergirem da igreja primitiva" (M. W. Holmes).
"Nenhum documento da igreja antiga tem se revelado tão desconcertante
para os estudiosos como esse folheto aparentemente inocente"...
"A criança mimada da crítica" (C. C. Richardson).
"É a única evidência contemporânea direta que temos sobre as condições
da vida da Igreja no período obscuro entre o Novo Testamento e a
organização mais plenamente desenvolvida do 2º século" (M. Staniforth).
"O documento mais importante do período sub-apostólico e a mais antiga
fonte de lei eclesiástica que possuímos... Enriqueceu e aprofundou de
modo extraordinário o nosso conhecimento dos primórdios da Igreja" (J. Quasten).
3. Descoberta do manuscrito:
O título do documento era conhecido através de referências em vários
escritores antigos.
Em 1873, Filoteos Bryennios, o metropolita grego de Nicomédia, encontrou
na biblioteca do mosteiro do Santo Sepulcro (biblioteca do patriarca
grego de Jerusalém), em Constantinopla (Istambul), um rolo de
manuscritos em grego, datado de 1056, copiado por um escriba chamado Leo.
Tratava-se de 120 folhas de pergaminho contendo a Sinopse de Crisóstomo
dos Livros do A.T. e do N.T., a Epístola de Barnabé, as duas epístolas de
Clemente, a Didaquê, a Epístola de Maria de Cassobelae a Inácio e a
versão longa das cartas de Inácio (12 cartas).
Em 1883, dez anos após a descoberta, Bryennios publicou a Didaquê pela
primeira vez, em Constantinopla. Em 1887, o manuscrito (Cod. 54 ou Codex
Ierosolymitanus) foi levado para a biblioteca patriarcal de Jerusalém,
onde se encontra até hoje.
Existem outras versões antigas da Didaquê: copta, etíope, georgiana e latina.
4. Testemunhos antigos:
As muitas menções de trechos da Didaquê em escritos da igreja antiga
atestam a sua importância. Ela deve ter gozado de ampla circulação por
algum tempo, sendo aceita pelo menos por uma parte da igreja como um
livro digno de ser lido no culto divino. Clemente de Alexandria a cita
uma vez como Escritura (graphé). (Strom. I, 20, 100)
Vários autores acharam necessário destacar que a Didaquê não possuía
caráter canônico. Eusébio de Cesaréia refere-se a ela como um dos livros
apócrifos ou espúrios (Hist. Ecles., III, 25, 4). Atanásio faz o mesmo,
mas declara que ela ainda era usada na instrução catequética (Ep. Fest. 39).
O autor da Didascália (início do terceiro século) conhecia toda a
Didaquê. Esta serve de base para o 7º livro das Constituições
Apostólicas (Síria, quarto século). Os Dois Caminhos (caps. 1-6) são
muito semelhantes aos capítulos 18-20 da Epístola de Barnabé (100-130 AD).
É possível que ambos os documentos tenham se baseado em uma fonte
comum. Grande parte desse material também aparece na Ordem Eclesiástica
Apostólica (quarto século) e na Vida de Schnudi (quinto século).
5. Partes constitutivas:
O documento tem duas partes distintas:
(a) Os Dois Caminhos (1-6): código de moralidade cristã, apresentando as
diferentes virtudes e vícios que constituem, respectivamente, o Caminho
da Vida e o Caminho da Morte. Essa seção é uma adaptação de um tratado
moral autônomo, provavelmente de origem judaica, que era conhecido e
usado em Alexandria. No início do segundo século, esse texto judaico
teria sido inserido em um primitivo manual eclesiástico – a Didaquê,
recebendo importantes acréscimos cristãos.
(b) Manual eclesiástico (7-16): compêndio de regras que tratam de
diversos aspectos da vida da igreja, tais como: batismo, jejum,
eucaristia, missionários itinerantes, ministros locais, etc. São esses
antigos regulamentos que conferem à Didaquê um interesse e importância
singulares, pois refletem a vida de uma primitiva comunidade cristã na
Síria (ou no Egito) no final do 1º século. (M. Staniforth)
a parousia do Senhor e deveres dela decorrentes: cap. 16.
A primeira seção é composta de duas partes: regras de moralidade (1-6) e instruções
litúrgicas (7-10).
Segundo o mesmo autor, alguns temas importantes do documento são: oração
e liturgia, confissão, hierarquia, beneficência, eclesiologia e
escatologia. Contém as mais antigas orações eucarísticas conhecidas e a
única referência ao batismo por efusão nos dois primeiros séculos. Não
faz nenhuma referência ao episcopado monárquico e aos presbíteros.
Roque Frangiotti divide o texto em quatro partes: (a) seção doutrinal ou
catequética: caps. 1-6; (b) instruções litúrgicas: caps. 7-10;
(c) instruções disciplinares: caps. 11-15; (d) epílogo sobre a segunda vinda
de Cristo: cap. 16.
Uma versão latina, intitulada "Doctrina apostolorum" e correspondente à
Didaquê 1-6 (sem 1.3b-2.1), apóia-se no texto grego de uma doutrina
judaica tardia dos dois caminhos. Essa doutrina destinava-se à instrução
moral de gentios desejosos de aderir à sinagoga como "tementes a Deus".
O escrito era intitulado "Didaché Kuríou tois éthnesin". Pela inserção
das palavras "diá ton dódeka apostólon" no título e pela interpolação de
1.3b-2.1, a doutrina recebeu um caráter cristão. (Altaner e Stuiber)
6. Autoria e data:
Autor: um ministro sagrado de idade avançada, formado na escola de
Tiago, o Menor, que teria imigrado para a Síria por ocasião da guerra
civil (R. Frangiotti). O documento teria sido colocado na forma presente
no máximo até 150, embora pareça provável uma data mais próxima do final
do primeiro século.
7. Evidências de antiguidade
* O título "servo de Deus" aplicado a Jesus.
* A simplicidade litúrgica e das orações.
* As orações eucarísticas apontam para um período em que a Ceia do
Senhor era ainda uma ceia.
* O batismo em água corrente.
* Preocupação em distinguir as práticas cristãs dos rituais judaicos (8.1).
* Ausência de preocupação com um credo universal.
* Nenhuma referência aos livros do Novo Testamento.
* Nenhuma referência ao episcopado monárquico.
* Ênfase aos ofícios carismáticos e itinerantes: apóstolos e profetas.
* Dupla estrutura de bispos e diáconos (ver Fp 1.1).
* Outros temas ausentes: virgindade, tendências gnósticas e antignósticas.
8. Composição
C. Richardson entende que o "didaquista" foi mais um compilador do que
um autor. Ou seja, ele não escreveu a Didaquê, mas reuniu dois
documentos pré-existentes, fazendo algumas adaptações. Ele provavelmente
compôs o capítulo final (16).
Os Dois Caminhos (caps. 1-5) representariam uma forma tardia de um
catecismo original no qual o "didaquista" inseriu em bloco alguns ensinos
tipicamente cristãos. Tais ensinos revelam um conhecimento de Mateus e
Lucas, e também do Pastor de Hermas (1.5 = Man. 2.4-6) e da Epístola de
Barnabé (16.2 = Barn. 4.9).
O manual de ordem eclesiástica (caps. 6-15) refletiria o período
sub-apostólico nas igrejas rurais da Síria. Evidências:
(a) é claramente dependente do evangelho de Mateus, que provavelmente se originou na
Síria;
(b) as orações eucarísticas refletem uma região em que o trigo é
semeado nas colinas (9.4);
(c) a seção batismal pressupõe uma região em
que existem termas (7.2);
(d) os profetas e mestres lembram a situação
de Antioquia (Atos 13.1). A imagem que se obtém dessa fonte é de
comunidades rurais que recebem periodicamente a visita dos líderes de
algum centro cristão.
A Didaquê propriamente dita deve ter sido composta em Alexandria.
Evidências:
(a) os Dois Caminhos circulavam ali, pois a Epístola de
Barnabé e a Ordem Eclesiástica Apostólica procedem daquela localidade;
(b) é possível que Clemente de Alexandria conhecesse a Didaquê;
(c) o documento revela uma atitude liberal em relação ao cânon do NT,
aparentemente incluindo Barnabé e Hermas, o que aponta para Alexandria;
(d) até o quarto século a Didaquê era altamente valorizada no Egito,
sendo quase considerada canônica, e foi mencionada por Atanásio como
adequada para a instrução catequética.
Alderi Souza de Matos
Se você quiser conhecer a Didaquê na íntegra, acesse:
http://www.psleo.com.br/pa_didaque.htm
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