O clichê tem o poder de padronizar algo que antes era criativo e espontâneo.
É como se as cores fossem aos poucos se transformando em apenas uma
tonalidade. Imagine isso num ambiente onde vamos buscar paz, tranqüilidade e
relacionamentos honestos e duradouros: A Igreja.
No artigo anterior citei algumas convenções da religiosidade: "*Deus tem uma
obra na sua vida. O inimigo está furioso. A vitória é nossa. Há poder em
suas palavras. Quem não vem pelo amor vem pela dor. Vamos entrar na presença
de Deus. Deus é pai, não é padrasto*". Não sou contra formas de interação e
de se buscar o sagrado, todos tem o direito de fazer como querem.
Preocupo-me quando isso se torna algo superficial, mecânico e serve para
caracterizar uma classe, como o é com os evangélicos. Se tornar um
evangélico significa ter que participar dessas nomenclaturas de padronização
de saudações e relacionamentos.
Certa vez li uma coluna de Eliane Brum, da Revista Época, que falava do
tédio de suportar clichês sociais. Lia e pensava "E ela nem conhece os
clichês religiosos".
Clichês são letra morta. Palavras que nasceram luminosas e morreram pela
repetição, já que a morte de uma palavra é o seu esvaziamento de sentido.
Agarrar-se aos lugares-comuns para não ousar arriscar-se ao novo é matar a
possibilidade antes de ela existir.
É matar-se um pouco a cada dia, ao matar nossa expressão no mundo. De
homens, nos reduzimos a papagaios. Muitos acreditam que assim mantêm seu
diminuto lugar no mundo.
O mundo das frases feitas serve para não deixar o novo entrar. Quem não
conhece o manual é colocado do lado de fora da linguagem. Exilado, não
ameaça ninguém, nem o funcionamento do todo. E é preciso um certo tempo para
descobrir que os jargões só são cascas de palavras e não palavras.
A gente pode transformar nossa vida inteira num clichê. Não basta apenas
pensar antes de falar, na tentativa de criar algo novo. É preciso pensar
para viver algo novo, antes de repetir a vida dos outros. Numa rotina
instituída por quem?
Não pensamos nem mesmo que nada impede que façamos tudo diferente. Apesar da
pilha de empecilhos-clichês que temos na ponta da língua para ocultar nosso
medo de arriscar, se formos pensar com a necessária honestidade, a vida está
em nossas mãos.
Podemos viver um lugar-comum, que nos carrega para a zona de conforto e não
"ofende" nem a igreja, nem o Status quo. Ou podemos tentar viver a nossa
vida, a vida que só nós podemos viver. A vida que nos transforma desde
sempre.
Quando a gente chega a aceitar, com verdadeira e profunda humildade, as
regras do jogo existencial, viver se torna mais do que bom – se torna
fascinante. Viver bem é consumir-se, é queimar os carvões do medo da
religião, de meditar sobre Deus, ainda que para dizer que não está
entendendo a ação Dele na nossa vida, que está decepcionado por Ele não
tomar um partido evidente para nós.
A cota de eternidade que nos cabe está encravada nesse tempo que vivemos
agora. É preciso jardiná-la, com incessante coragem, para que a alegria da
multiplicidade de cores alegre nossos olhos. Se assim acontece, a nossa vida
tem sentido.
Muitos que estão dentro do meio religioso tentam não viver isso, mas os
clichês estão ali, o tempo todo. Os religiosos querem demonstrar com suas
relações padronizadas que a vida que se vive para longe dos clichês não tem
as garantias da segurança didático-teólogica. É verdade. Tudo na vida que se
vive para longe dos clichês é contrário aos fundamentos didático-teólogicos, e
nos oferece isso, vida apenas, vida relacionais cheias de descobertas
surpreendentes e inesperadas. Boas e más, como o são os seres. Igual a vida
de relacionamentos que Jesus viveu.
*
À Eliane Brum, uma melquisedeque das letras.
Olavo Saldanha
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