A grosso modo, capitalismo é a influência ou supremacia do
capital ou do dinheiro. Em outras palavras, é um sistema pelo qual
alguém investe capital ou dinheiro numa atividade produtiva com o
objetivo de gerar lucros. Mas, qual a relação que isso tem com o
evangelho?
Bem. Com o Evangelho genuinamente bíblico, nenhuma; contudo, com o
evangelho que muitos pregam em nossos dias, há uma intrínseca
convivência. Lamentavelmente, o Evangelho tornou-se para um grande
número de pessoas, num meio totalmente eficaz de enriquecimento,
numa fórmula perfeita de ascensão financeira.
Grandes empresas, principalmente do ramo fonográfico e editorial, que
nunca nutriram nenhum vínculo com o povo de Deus, infiltraram-se no meio
evangélico, buscando dessa forma ampliar seus lucros; atingir um
"mercado" em fase de expansão, afinal só no Brasil somos mais de
20 milhões! Utilizam-se do Evangelho de forma, muitas vezes,
inescrupulosa, bombardeando os crentes com um marketing
estrategicamente elaborado, fazendo uso de uma linguagem cristã,
dando uma roupagem aparentemente evangélica ou gospel aos seus
produtos. É comum ouvirmos falar de "Plano de Saúde Evangélico",
"Cartão de Crédito Evangélico", "Shopping Evangélico" etc. Em um
periódico, uma agência de turismo anunciava uma excursão à "Disney
Gospel". Até Sindicato de Pastores já foi cogitado entre nós!
O capitalismo, sob uma camuflagem cristã, penetrou no seio da igreja,
conduzindo muitos crentes ao consumismo exacerbado e ao materialismo
desenfreado. O desejo pela prosperidade financeira suplanta, em algumas
denominações, o anseio pela intimidade com Deus. E o pior: a ambição
pelo dinheiro ganhou respaldo bíblico. Fazem uso da Bíblia para
justificar suas doutrinas de prosperidade. O dízimo, que deveria
ser dado com o intuito de manter a obra de Deus, tornou-se numa
espécie de "investimento" ou numa "fórmula mágica" para se obter
dinheiro de Deus: "Se você der tudo, receberá em dobro" , dizem
alguns; e outros: "O diabo segura a carteira do crente para ele
não dar oferta" .
A famigerada Teologia da Prosperidade, que é motivo de controvérsia
entre as diversas denominações evangélicas, ganhou terreno e já é
naturalmente aceita por inúmeras igrejas. Em muitos casos é
utilizada de forma apelativa, como um chamamento para os que
enfrentam algum tipo de dificuldade financeira ou males físicos:
"Se Jesus estivesse entre nós, hoje, ele sairia num Boeing
particular e compraria emissoras de rádio e televisão para pregar
o mais rápido possível a sua Palavra" , foi o que afirmou um
pastor ligado ao movimento. Para muitos que compartilham essas
idéias, Jesus foi um grande milionário e até usava roupas de
grife. Frases tais como "eu peço", "eu clamo", "eu imploro", "eu
suplico" foram substituídas por "eu exijo", "eu decreto", "eu
determino", "eu reivindico" etc.. São, no dizer de um escritor cristão,
"super-crentes", aqueles que podem tudo, que estão sempre
"amarrando satanás" e que, aparentemente, estão isentos dos
dissabores da vida. Todavia não são poucos os relatos de
desapontamentos, quando percebem que a vida não é nenhum mar de rosas
e que, tais quais quaisquer outras pessoas, estão sujeitas às mesmas
procelas; quando sentem na própria pele, o "espinho na carne".
A prosperidade financeira transformou-se numa espécie de
"fémômetro" (ou
"fidemômetro"), capaz de medir o grau da fé de alguém: se
prosperou, a fé é grande; se fracassou, é pequena. Provavelmente
para estes, os crentes da Somália, da Etiópia, de Filipinas, de
Serra Leoa, do Afeganistão etc. são todos fracassados, visto que
vivem na miséria. Ao contrário, os suecos, os japoneses, os
americanos (principalmente estes, que inventaram tal doutrina) são
poderosos na fé, uma vez que vivem numa grande bonança financeira.
É muito cômodo a quem tem dinheiro e saúde proclamar, como um
arauto, que a escassez de dinheiro e a enfermidade significam ausência
de fé!
Para esses pregadores, a fé só é fé se vier acompanhada de bênçãos
materiais. Eles dizem categoricamente que se as nossas orações
não estão sendo respondidas é porque não temos fé, e se a temos,
ela deve ser fraca. Não é à toa que muitas pessoas vivem
atormentadas por culpas. Sentindo-se fracassadas espiritualmente,
perguntam: Será que a minha fé é fraca? Será que estou em pecado?
É deveras angustiante servirmos a Deus, crermos na sua Palavra, e
ainda assim sermos acusados de falta de fé. Esses
"superpregadores" esquecem-se que, não obstante servirmos a um Deus
Todo-Poderoso, maravilhosamente Poderoso, infinitamente Poderoso, ainda
assim somos humanos, vivemos num mundo onde alegria e tristeza, pobreza
e riqueza coexistem relativamente para cada pessoa. Se a chuva vem
para os justos e injustos, conclui-se que as dificuldades não são
diferentes. Conheço pessoas ímpias que não somente têm dinheiro, como
também esbanjam saúde; também conheço pessoas cristãs,
sinceramente cristãs, fiéis a Deus, que além de não terem saúde,
têm escassez de dinheiro, vivem de aluguel, ganham um ínfimo
salário. Também conheço o oposto: pessoas ímpias que não tem nada,
vivem na miséria, e pessoas cristãs que tem saúde e dinheiro.
A DIFERENÇA NÃO ESTÁ EM NOSSOS BOLSOS, EM NOSSOS CORPOS FÍSICOS: ESTÁ
DENTRO DE NOSSOS CORAÇÕES. Se Deus é o nosso estandarte, então as
circunstâncias, não importam quais, não impedem que sejamos
verdadeiros filhos seus, e isso mesmo diante da pior tempestade.
O que nos conforta é sabermos que em nenhum instante estaremos
sozinhos. O apóstolo Paulo, diz a Bíblia, tinha um misterioso
espinho na carne, e mesmo clamando a Deus não foi respondido. Vale
a pena perguntar: será que ele também não tinha fé?
Se formos fazer uma análise dos chamados "Heróis da Bíblia" ou dos
"Heróis da Fé", perceberemos que a vida para eles não foi tão
regalada como afirmam hoje os pregadores dessa teologia. Na antiga
dispensação, é verdade, os homens de Deus, como Abraão, Jó,
Salomão, entre outros, tiveram grandes riquezas; todavia, Moisés,
Jeremias, Isaías e outros profetas não as tiveram. Então pergunto:
Será que os primeiros eram diante de Deus melhores que os
segundos?
Se formos analisar a vida dos homens de Deus, principalmente na Nova
Aliança, após o advento de Jesus, concluiremos, começando por Jesus, que
a vida para eles não foi tão abastada assim. A Bíblia afirma que
Jesus não tinha sequer onde reclinar sua cabeça. O diabo, quando o
tentou, ofereceu-lhe as riquezas do mundo, os tesouros do reino da
terra, mas Jesus o repreendeu. Foi Jesus quem disse que o nosso
tesouro deve estar nos céus, porque lá a ferrugem não o corrói.
Por que será que em vez de ter nascido num esplendoroso palácio,
ele nasceu em uma manjedoura (Tabuleiro em que se põe comida para
os animais nas estrebarias)?
Os discípulos de Cristo também não eram ricos. O único que se deixou
levar pela ambição, Judas, teve um fim deveras trágico. Quando
algumas pessoas ricas chegavam para Jesus, como é o caso de Zaqueu
e do jovem rico, foram motivados por ele a dividirem seus bens com
o próximo. A Igreja primitiva tinha esse hábito. Diz a Bíblia que
os irmãos prósperos dividiam com os menos favorecidos socialmente
os seus bens. O apóstolo Paulo não teve, como alguns supõem, uma
vida maravilhosa. Muito pelo contrário, sofreu pelo nome de Jesus,
não somente açoites, mas prisões, e mesmo a morte. Em uma de suas
epístolas, diz ter feito tendas para se manter, não querendo
causar peso aos outros. Que diremos de João que, mesmo estando preso
numa ilha, permaneceu firme na fé, sem jamais questionar os
desígnios de Deus?
Não estou fazendo apologia do fracasso, da doença, da pobreza. Não, não
é isso! Muito pelo contrário, não há nada de errado em desejarmos
ter uma vida bem sucedida; não vejo nenhum problema em querermos
uma vida com saúde. Tudo isso é bom e importante, contudo, se
porventura nos faltarem essas coisas, nunca devemos achar que por
isso não temos fé.
Nossa fé deve ultrapassar o limite humano. Se formos agir conforme a
lógica, de acordo com o aparentemente óbvio, estaremos na verdade
praticando o contrário da fé. Somos salvos pela fé, portanto, a fé não é
uma "fórmula mágica" que faz surgir do nada aquilo que necessitamos.
Não, não, não é isso. Oferecer algo a Deus é fé: Abel ofereceu a
Deus o mais excelente sacrifício, pelo que, diz a Bíblia, obteve
testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus (Hebreus 11:4).
Agradar a Deus é fé: Enoque foi transladado para não ver a morte,
pois agradava a Deus (Hebreus 11:5). Obedecer a Deus é fé: Noé
seguiu os conselhos de Deus, construiu uma arca sob à zombaria de
seus conterrâneos, e desta forma deu continuidade à espécie humana (Hebreus 11:7).
A fé fez com que Moisés abandonasse o conforto do
Palácio de Faraó, para sofrer por seu povo. Muitos, por sua fé,
foram apedrejados, provados, perseguidos, humilhados, açoitados,
serrados pelo meio, mortos ao fio da espada. Outros, pela fé, tiveram de
andar peregrinos, vestidos de peles de ovelhas, necessitados,
aflitos, maltratados. Como diz a Bíblia, homens dos quais o mundo
não era digno. Viviam pela fé, errantes pelos desertos, pelos
montes, pelas covas, pelos antros da terra. Mesmo não tendo a
concretização da promessa, eles não desistiram, perseveraram na fé. E a
fé para eles foi sofrer pelo nome de Cristo. Muitos, movidos pela
fé, foram jogados em arenas para serem devorados por leões. E a fé
venceu.
E hoje, o que é a fé para muitos? É viver regaladamente em suas lindas
mansões, é ter o carro do ano, de preferência importado. É possuir
saúde, e muitas vezes, fama. Pregar é mais cômodo pela televisão e
no rádio. Para que ir à Índia, à Etiópia, à Somália, ao sofrido
Iraque, aos submundos das favelas, se é possível viver "rompendo
em fé" aqui em meu conforto?
O desejo por riquezas tem conduzido muitos crentes sinceros ao
afastamento do verdadeiro Evangelho, da pureza e santidade da
Palavra de Deus. Com freqüência surgem novos movimentos que, de
início, causam escândalos, porém logo são assimilados, ganham um
rótulo evangélico ou gospel e, por ausência de questionamentos,
passam a servir de modelo até mesmo para os mais conservadores.
Que diremos da música?
Em muitos casos não é possível identificar se o que há em alguns templos
é culto ou show. Várias igrejas estão perdendo sua identidade,
passando a ser conhecidas como a "igreja do Pastor fulano", "a
igreja do cantor sicrano", "a igreja do jogador beltrano" etc.
Alguns freqüentam estas igrejas porque lá congregam tal atriz ou
tal ator. Já existem Fã Clubes para evangélicos ( fã , redução de
fanático , do latim fanus, templo , em referência aos adoradores da
deusa Cibele) e bloco carnavalesco evangélico. Pedem-se
autógrafos, e a tietagem é explícita entre os admiradores das
"estrelas evangélicas".
Hoje o cantor evangélico ganha Disco de Ouro e participa de grandes
festivais. Há algum tempo foi realizado o Troféu Talento, considerado o
Grammy da música evangélica, cujo objetivo era a premiação aos
"melhores" do "show gospel". Muitos desses festivais possuem efeitos
especiais e são realizados em casas de shows de altíssimo nível. Em
muitos casos há cobrança de ingressos. Os cachês de alguns desses
irmãos cantores são excessivamente elevados, e muitos não cantam
se não houver cachê! Para muitos empresários do ramo, esses
cantores são "máquinas de fazer dinheiro" e os evangélicos de um
modo geral, nada mais são do que potenciais consumidores.
Que o Senhor tenha misericórdia!
17 julho 2009
Capitalismo Gospel
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