06 outubro 2013

O amor...

Quantas Vezes Eu Assassinei O Amor?
O amor nunca morre de morte natural. Anaïs Nin(*) estava certa. Morre
porque o matamos ou o deixamos morrer. Morre envenenado pela angústia.
Morre enforcado pelo abraço. Morre esfaqueado pelas costas. Morre
eletrocutado pela sinceridade. Morre atropelado pela grosseria. Morre
sufocado pela desavença. Mortes patéticas, cruéis, sem obituário e missa
de sétimo dia. Mortes sem sangramento. Lavadas. Com os ossos e as
lembranças deslocados. O amor não morre de velhice, em paz com a cama e
com a fortuna dos dedos. Morre com um beijo dado sem ênfase. Um dia
morno. Uma indiferença. Uma conversa surda. Morre porque queremos que
morra. Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento. O
amor não poderia morrer, ele não tem fim. Nós que criamos a despedida
por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que
a nossa vida. O fim do amor não será suicídio. O amor é sempre
homicídio. A boca estaráestranhamente
carregada.  Repassei os olhos pelos meus namoros e casamentos. Permiti
que o amor morresse. Eu o vi indo para o mar de noite e não socorri. Eu
vi que ele poderia escorregar dos andares da memória e não apressei o
corrimão. Não avisei o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro
acidente. Aceitei que desmoronasse, não levantei as ruínas sobre o
passado. Fui orgulhoso e não me arrependi. Meu orgulho não salvou
ninguém. O orgulho não salva, o orgulho coleciona mortos. No mínimo,
merecia ser incriminado por omissão. Mas talvez eu tenha matado meus
amores. Seja um serial killer. Perigoso, silencioso, como todos os
amantes, com aparência inofensiva de balconista. Fiz da dor uma alegria
quando não restava alegria. Mato; não confesso e repito os rituais.
Escondo o corpo dela em meu próprio corpo. Durmo suando frio e disfarço
que foi um pesadelo.  Desfaço as pistas e suspeitas assim que termino o
relacionamento. Queimo o que fui. E recomeço, com a certeza de que não
houve testemunhas. Mato porque não tolero o contraponto. A divergência.
Mato porque ela conheceu meu lado escuro e estou envergonhado. Mato e
mudo de personalidade, ao invés de conviver com minhas personalidades
inacabadas e falhas. Mato porque aguardava o elogio e recebia de volta a
verdade. O amor é perigoso para quem não resolveu seus problemas. O amor
delata, o amor incomoda, o amor ofende, fala as coisas mais
extraordinárias sem recuar. O amor é a boca suja. O amor repetirá na
cozinha o que foi contado em segredo no quarto. O amor vai abrir o
assoalho, o porão proibido, fazer faxina em sua casa. Colocar fora o que
precisava, reintegrar ao armário o que temia rever. O amor é sempre
assassinado. Para confiarmos a nossa vida para outra pessoa, devemos
saber o que fizemos antes com ela.
Fabrício Carpinejar


(*) Anaïs Nin(21 de fevereiro de 1903, Neuilly , perto de Paris - 14 de janeiro de 1977, Los Angeles )
Batizada como Angela Anaïs Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell.
Foi uma autora nascida na França , filha do compositor Joaquin Nin,
cubano criado na Espanha e Rosa Culmell y Vigaraud,de origens cubana,
francesa e dinamarquesa. Anaïs Nin tornou-se famosa pela publicação de
diários pessoais, que medem um período de quarenta anos, começando
quando tinha doze anos. Foi amante de Henry Miller e só permitiu que
seus diários fossem publicados após a morte de seu marido Hugh Guiler.
Seus romances e narrativas, impregnados de conteúdo erótico foram
profundamente influenciados pela obra de James Joyce e A Psicanálise.
Dentre suas obras destaca-se Delta de Vênus (1977), traduzido para todas
as línguas ocidentais, aclamado pela crítica americana e europeia.

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